Quando
se cai na real, a conversa sobre a Copa é outra
23 de maio de 2014 | 08:55 Autor: Fernando Brito
Com
anos de atraso, a Folha publica hoje um
levantamento feito pelos repórteres Gustavo Patu, Dimmi Amora e Filipe Coutinho que,
como e diz nas conversas informais, “baixa a bola” dos “gastos absurdos com a
Copa do Mundo”.
É o que
dá ter raros momentos de jornalismo correto na mídia brasileira, porque não é
nenhum “furo”, mas apenas a compilação de dados que são e sempre foram
públicos.
A começar
pela abertura do texto escrito pelos três:
Mesmo
mais altos hoje do que o previsto inicialmente, os investimentos para a Copa
representam parcela diminuta dos orçamentos públicos.
Alvos
frequentes das manifestações de rua, os gastos e os empréstimos do governo
federal, dos Estados e das prefeituras com a Copa somam R$ 25,8 bilhões,
segundo as previsões oficiais. O valor
equivale a, por exemplo, 9% das despesas públicas anuais em educação, de R$ 280
bilhões.
Em
outras palavras, é o suficiente para custear aproximadamente um mês de gastos
públicos com a área.
E eles
próprios se encarregam de dizer que nem sequer é assim, porque estes gastos
diluíram-se pelos últimos sete anos e, sobretudo, porque uma parte (a maior
parcela, 32%) é feita com financiamentos de bancos públicos (quase toda do
BNDES) e vai retornar. Adiante falarei dela.
Bem, do
gráfico publicado, conclui-se que o Governo Federal gastou R$ 5,8 bi
diretamente com a Copa: R$ 2,7 bi na modernização e ampliação dos aeroportos,
R$ 1,9 em segurança pública – quase tudo equipando, a fundo perdido, as
polícias estaduais, R$ 600 mil em portos, R$ 400 mil em telecomunicações
e R$ 200 milhões em gastos diversos.
Aeroportos
e portos, além de serem serviços públicos essenciais ao desenvolvimento
econômico, geram receitas de tarifas e concessões.
Nenhum
tostão, como você vê, em estádios.
Do
dinheiro dos estádios, um total de R$ 8 bilhões, perto da metade veio de
financiamentos federais, através do BNDES, de duas formas: debêntures e
empréstimos.
Debêntures
são “letras” financeiras e, no caso do estádio, seus tomadores pagam 6,2%% de juros mais
a inflação do período.
No caso
dos empréstimos, os tomadores, além de oferecer
garantias, têm de pagar TJLP (taxa de juros de longo prazo), que de 2009
para cá variou entre 6,25% e 5%, mais 1,4% (taxa BNDES +
intermediação financeira), mais risco de crédito (até 4,18%), além da taxa que
o o tomador pagará a o banco operar o crédito. No total, portanto,
pagam juros muito semelhantes (em geral um pouco maiores, em alguns momentos
frações de centésimo menores) que a taxa de juros com que o Governo capta
dinheiro no mercado.
Isso
quer dizer que não houve empréstimo subsidiado pelo Governo Federal?
Sim,
houve, maiores. E continuam existindo, independente de Copa.
São os
recursos para obras de mobilidade urbana que, só nos empreendimentos ligados à
Copa, receberam R$ 4,4 bilhões. Como é
isso: o BNDES financia contrando
TJLP + 2% no caso de o empréstimo ser tomado por Estados e Municípios ou
por TJLP + 1% + risco de crédito de até 4,18% no caso do financiamento ser
feito por empresa privada.
Convenhamos
que é uma forma muito mais adequada de o banco usar seus recursos em
favor da população do que, como fez em 2002,
aplicar R$ 281 milhões (R$ 1 bilhão, hoje, corrigidos pela taxa Selic) na Net,
então propriedade dos Marinho (a família mais rica do Brasil), que
estava enforcada de dívidas.
No caso
dos Estados e Municípios, a grande maioria, boa parte dos gastos vem das
contrapartidas locais para obras de mobilidade (R$ 2,4 bi, ou 41%) e os
restantes R$ 3,3 bilhões em gastos diretamente com obras dos estádios e com as
do seu entorno (ruas, praças, pátios, passarelas).
Os
números insuspeitos publicados pela Folha vêm na mesma linha daquilo que ontem
se comentou aqui.
Tirando
os gastos imprevistos de três governos estaduais (Sérgio Cabral , com o
Maracanã, Agnelo Queiroz, com o Mané Garrinha e Aécio Neves-Anastasia como
Mineirão, que começou as obras ainda na gestão do atual candidato do PSDB à
Presidência), os outros dois estádios que custaram muito mais do que o
inicialmente previsto, o Beira-Rio e o Itaquerão, foram tocados pela
iniciativa privada.
Há uma
hidrofobia de direita implantada na mídia e em parte da classe média que
eclipsa qualquer capacidade de exame racional dos fatos.
Se eu
fosse um obtuso irracional, que não reconhecesse o direito de uma categoria
profissional essencialíssima , como a dos professores, poderia dizer que se
gastou muito mais que aquele “um mês” de Educação que a Copa custou com
as greves e paralisações (em geral, justas) do magistério.
E isso
seria uma apelação, porque eu estaria colocando nos direitos dos professores a
“culpa” das nossas históricas carências no setor.
Colocar
na Copa a “culpa” pelos problemas da educação, da saúde, da assistência social,
da habitação é, igualmente, uma estupidez.
Que só
tem um fundamento, embora a maioria dos que fazem isso não o percebam: as
eleições.
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